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Manuel Toharia: “A indústria do cartão tem um potencial regenerativo e perfeitamente sustentável” 

Imagen de Grupo Hinojosa PT
Por Hinojosa Editor
8 de septiembre de 2023

Algumas das consequências das alterações climáticas fazem-nos pensar se ainda há esperança de as abrandar. Serão os esforços das organizações suficientes? E nós, enquanto cidadãos, podemos melhorar a nossa forma de consumir? A nova legislação sobre embalagens e uma maior sensibilização para a regeneração das florestas e a redução do plástico são bons sinais de que é urgente mudar. Mas não podemos baixar a guarda se quisermos evitar cenários futuros indesejáveis. Falámos com o cientista e divulgador Manuel Toharia sobre este assunto nesta entrevista para o Whats Inside.

Todos os relatórios da IPPC apresentam conclusões dramáticas. Vamos a tempo de abrandar o aquecimento global? 

Os países muito ricos, e a Europa em particular, estão determinados em fazer esforços económicos para descarbonizar a indústria e, assim, avançar para um mundo mais sustentável, menos dependente dos combustíveis fósseis. Em contrapartida, o resto do mundo não está a cumprir com estas normas, não porque sejam maus, mas porque não o podem fazer caso se queiram desenvolver. Os países ricos são ricos porque se desenvolveram nos últimos 150 anos através da queima de combustíveis fósseis.  

Se quisermos resolver o problema da energia, temos de olhar para as energias renováveis e nucleares e não podemos prescindir dos combustíveis fósseis. Um exemplo disto é a energia elétrica. Mais de metade da energia elétrica provém de combustíveis fósseis. Não existe na natureza e tem de ser criada. Até ao ano passado, os combustíveis fósseis representavam cerca de 80% da energia primária bruta mundial. Se a solução proposta para travar o aquecimento global é prescindir dos combustíveis fósseis, não vamos conseguir. É uma utopia. Os países ricos podem usar carros elétricos, mas os países pobres não, porque são caros. O problema da energia não é fácil e está na base de todos os problemas das alterações climáticas. 

Qual é o papel do setor? Está a ser feito o suficiente? 

A Europa embarcou no cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, um plano muito interessante e muito razoável. No entanto, está a ser muito restritiva em termos de critérios de sustentabilidade, como as emissões ou o consumo de energia. Foi desenvolvida uma legislação muito exigente para cumprir com os ODS. Mas, para além da ética, se a indústria não for capaz de gerar lucro, vai à falência. Consequentemente, estamos a viver um problema de deslocalização. A maior parte das indústrias que fabricam na Europa, se lhes for exigido que tenham demasiados aspetos de controlo em matéria de sustentabilidade, e não noutro país da Ásia ou de África, levarão uma grande parte da sua indústria para esses países. Não é fácil para as pequenas e médias empresas coexistirem com estes critérios. 

“O problema da energia está na base de todos os problemas das alterações climáticas” 

E qual é o papel dos cidadãos, através dos seus hábitos de consumo? A quantidade de resíduos gerados é um bom indicador para avaliar o nosso modelo de produção. Durante décadas, baseámo-nos num sistema linear com consequências óbvias. Será que isso foi um progresso? 

No meu último livro, La sociedad del desperdicio, falo muito sobre isso. Somos a sociedade do desperdício, construímos e desenvolvemos uma civilização em torno dele. Este tipo de desenvolvimento tem muitos vícios, gera inúmeros resíduos que depois nos envenenam, sufocam, prejudicam… Produzem consequências no meio-ambiente que são insuportáveis no futuro. O tema dos resíduos é crucial, está relacionado com algo que fazemos mal e que poderíamos fazer melhor. 

Olhamos para os milhares de toneladas de embalagens que são deitadas ao mar. Mas em casa deitamos imediatamente fora alimentos que estão perfeitamente bons. Quando éramos crianças, comíamos cozido em casa da avó e, no dia seguinte, ainda era servido. Isso faz parte dos hábitos sustentáveis. Ou o exemplo das casas de banho. Em Espanha, a água potável é utilizada para descarregar a sanita, quando sabemos que há falta de água. Poderia dar centenas de exemplos. A nossa forma de desenvolvimento é perfeitamente melhorável. 

Como satisfazer a procura de água, alimentos, materiais e combustíveis de uma população sempre crescente e consumidora sem ultrapassar os limites dos ecossistemas? Fala-se muito de regeneração. Será possível crescer regenerando o que já foi destruído? 

Não propriamente. A questão da regeneração está relacionada com a economia circular. Sermos capazes de fazer circular tudo o que geramos de modo a que chegue à origem de uma forma diferente. Isto significa reutilizar e, sobretudo, reciclar materiais. De tal modo que, mesmo que tenhamos utilizado energia que não podemos recuperar, pelo menos, uma boa parte dela possa ser reutilizado.  

“A economia circular implica reutilizar e, sobretudo, reciclar materiais.” 

O impacto das embalagens vai muito para além da própria embalagem. Dada a complexidade da análise do impacto real de uma ou outra embalagem, que elementos devem ser postos em cima da mesa para se chegar a conclusões rigorosas? 

Para analisar com precisão o impacto das embalagens, é importante considerar os impactos ao longo de todo o seu ciclo de vida: desde a origem ou matéria-prima, passando pela sua duração, utilizações e propriedades, até ao fim da sua vida útil. Tendo em conta o seu fabrico, todos os subprocessos associados ao transporte e outras fases do seu ciclo de vida; a medição e o cálculo das emissões de CO2 equivalente em cada uma destas fases, a distância, o tratamento final ou o número de utilizações com as respetivas análises de sensibilidade. 

Diz que a solução para o problema do impacto no ambiente natural passa por dar prioridade aos materiais renováveis. Quais são as vantagens do cartão em relação ao plástico? O que torna as embalagens de plástico, embora reutilizáveis, menos sustentáveis? 

O plástico e as embalagens feitas com ele (maioritariamente de utilização única) são fabricados a partir de 90% de petróleo, um combustível fóssil. O plástico é uma invenção extraordinária, imensamente prática, mas quando não é convertido numa economia circular, é deitado fora e acaba quase sempre no mar. E no seu ciclo de degradação progressiva acaba por se transformar em microplástico, causando danos no meio-ambiente. O plástico nunca deixará de ser plástico, enquanto os materiais orgânicos, como o cartão, o papel ou a madeira, se degradam em átomos fundamentais, como o carbono e o hidrogénio, e acabam por ser absorvidos pela natureza. 

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O plástico nunca deixará de ser plástico, enquanto os materiais orgânicos, como o cartão, o papel ou a madeira, se degradam em átomos fundamentais, como o carbono e o hidrogénio, e acabam por ser absorvidos pela natureza. Manuel Toharia

Que papel desempenha a indústria do cartão na regeneração das florestas? 

A indústria do cartão tem um papel fundamental a desempenhar no que diz respeito às florestas, que são a sua matéria-prima. Trata-se de uma indústria com um potencial perfeitamente sustentável. Se tivermos algum tipo de controlo sobre a nossa atividade, de modo a que haja plantação por cada árvore que cortamos, não só garantimos a sua sobrevivência, como a tornamos numa cultura rentável e perfeitamente sustentável. É isto que a certificação FSC declara. A indústria do cartão é perfeitamente sustentável no sentido em que não só não se elimina algo, como se mantém e aumenta. Garante-se uma riqueza para o futuro. 

Como acha que será o futuro do packaging? Quais são os principais elementos que devem moldar as próximas décadas? 

Para o futuro do packaging, é crucial eliminar tudo o que está relacionado com plástico e, em geral, com o que não é claramente sustentável. A tendência para as embalagens sustentáveis vai ser global, apesar da resistência de locais como a Ásia, os atuais titulares da produção de plástico. 

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